São Paulo, a cidade sitiada

Girolamo Peralta, La lotta
Girolamo Peralta, La lotta
A cidade está politicamente estraçalhada, com problemas graves de gestão e sem um Plano Diretor abraçado pela população.

Não foi propriamente surpresa a demissão de Marta Suplicy do cargo que ocupava na Prefeitura de São Paulo. Era algo que se esperava. A ex-prefeita não somente se afastou de Ricardo Nunes, atual prefeito, como decidiu retornar ao PT e tornar-se vice de Guilherme Boulos (PSOL).

Marta tinha várias opções pela frente. Poderia jogar parada, permanecendo no governo municipal de Nunes sem maiores declarações de amor. Poderia se afastar e se preparar para novos voos. Poderia compor uma inédita chapa feminista com Tábata Amaral, que marcaria época. Voltar ao PT para ser vice de Boulos é uma escolha que, como toda escolha, tem sua margem de risco. Se era para voltar assim, por que saiu em 2015? E se a chapa naufragar, o que fará ela? Em nome, provavelmente, de uma ideia vaga de realismo, optou por retroceder algumas casas no tabuleiro político, fechando portas que poderiam dar a ela melhores oportunidades de voltar ao palco e de contribuir para a “pacificação” política da capital paulista.

Há sempre um imponderável, algo a ser confirmado pelos fatos. Será mesmo que Marta agregará votos à candidatura de Boulos? Conseguirá ela reduzir a imagem negativa do candidato do PSOL, sempre flertando com narrativas incendiárias? Ou o eleitorado cativo de ambos não será basicamente o mesmo? Marta está fora da política há bastante tempo, não se sabe mais qual o tamanho de seu prestígio atual e quanto há de rejeição petista ao seu nome, dada a forma como saiu do PT em 2015.

São Paulo é hoje uma cidade politicamente estraçalhada, com problemas graves de gestão e sem um Plano Diretor digno do nome, abraçado pela população. A potência da cidade camufla muito coisa, mas a cada dia a situação parece piorar, em vez de melhorar. Viver em São Paulo é para os fortes, que se submetem a horas perdidas no transporte público, a um tráfego infernal, a tensões e carecimentos vários expostos à luz do dia.

O estraçalhamento político – a fragmentação, a ausência de partidos e políticos com competência gerencial e visão estratégica, a prevalência da luta ideológica sobre o confronto de projetos, as batalhas identitárias – é um complicador. Anos atrás, a cidade conseguia se reconhecer em seus gestores. Dava-lhes voto, apoio e torcida. PSDB e PT chegaram a se revezar na Prefeitura, com predomínio dos tucanos. Foi assim, mais ou menos, até a reeleição de Bruno Covas em 2020. Quiseram os azares da vida que Bruno morresse em maio de 2021. Seu vice, Ricardo Nunes, assumiu o cargo e, aos poucos, foi infletindo para a direita.

Naquela época, já estava em curso a desorganização dos partidos, que se aprofundou. O PSDB evaporou, o PT permaneceu focado na conquista do governo federal e o bolsonarismo acampou na cidade, beneficiando-se da conquista do governo estadual e da exploração compulsiva de um polo antipetista. Cercou o prefeito Ricardo Nunes, impondo-lhe condições de apoio político e eleitoral que ainda não se concluíram (como a definição do candidato a vice), mas que condicionam seus movimentos.

Neste cenário, desidrataram-se as forças de centro-esquerda e de direita liberal, impulsionando uma polarização de perfil estritamente ideológico, que estende um manto de incerteza e indefinição sobre a cidade, que reverbera nacionalmente e se coaduna com o que ocorre no plano federal. Para as eleições desse ano, vários políticos indicam pretensões de postular o cargo de prefeito municipal. Há fragmentação até mesmo no campo mais próximo do bolsonarismo. Muito água correrá até o início da campanha eleitoral e a ida às urnas. Mas o cenário não mostra sinais de que sofrerá grandes alterações. A cidade parece sitiada.

A jovem deputada federal Tábata Amaral (PSB) é, hoje, uma personalidade política com vocação democrática, visão social e preocupação gerencial. O apoio a ela do ex-governador e atual vice-presidente Geraldo Alckmin por certo irá ajudá-la. Se se confirmar, sua campanha poderá repor a moderação inteligente e progressista na cidade. Ela terá, no entanto, de enfrentar forças mais bem organizadas, tanto as do prefeito Nunes quanto as da aliança PSOL-PT, e ainda por cima precisará navegar entre os destroços do PSDB, do MDB e do próprio bolsonarismo.

Ao menos por ora, não há indícios de que a cidade conseguirá romper a camisa-de-força da polarização ideológica. Precisamos dar tempo ao tempo.

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