A segunda chance de Temer

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Temer não ficará sangrando em céu aberto, ainda que parte de suas vísceras estejam expostas. Pesará nada em sua sucessão, com poder zero para influenciá-la. Há uma interrogação flutuando sobre ele: como chegará até o fim?

Não foi a lavada que o governo esperava, mas deu para o gasto, com alguma folga. Foram 263 votos, contra 227. Deram a Michel Temer uma segunda chance.

Conseguida na bacia das almas, a vitória do governo precisa ser relativizada. Não é daquelas que deixam o vencedor dormir o sono dos justos. A articulação que a possibilitou teve de tudo: pressão, promessas, ameaças, troca de favores, negociações, liberação de emendas. O “centrão” nadou de braçada nesse ambiente sem substância democrática e pouco republicano. O PSDB bateu cabeças o tempo todo, fiel a seu estilo desunir para perder. Desqualificou-se. O próprio PMDB não votou unido. Os Democratas de Rodrigo Maia se saíram melhor, trabalhando a boca pequena.

A oposição não caprichou no discurso, não foi persuasiva, não mostrou habilidade, deixou-se levar pelo histrionismo vazio de suas principais lideranças. Subiu no surrado pedestal da moralidade, como se não tivesse que olhar para os próprios pés e fazer sua autocrítica. Manteve a lenga-lenga de que, antes, éramos felizes e não sabíamos, sem nem sequer explicar por quais motivos Temer foi vice de Dilma por duas vezes.

Nada de novo no front. Tem sido assim de forma recorrente.

Foi um dia feio para a democracia brasileira. O governo ganhou porque não teve oposição à altura e porque soube se beneficiar da ideia pragmática e prudencial de que é melhor com Temer do que sem ele, que ao menos está “sabendo reduzir a inflação”. Situacionistas e oposicionistas valeram-se do argumento econômico para justificar seus votos. Exageraram, mentiram, ocultaram. Usaram a economia para escantear a corrupção. Para os governistas, Temer já iniciou a recuperação e não deveria ser atrapalhado. Os da oposição disseram que votavam contra o desemprego e o ajuste neoliberal. Não se deram ao trabalho de lembrar que a recessão e a crise fiscal começaram antes, durante o governo Dilma.

O palco mostrou uma Câmara em um de seus piores momentos, extensão daquilo que ocorreu no impeachment, em 2016. Não foi por acaso que Temer se projetou como vice de Dilma. O estrago vem lá de trás e sempre seguiu vias tortuosas, que agora cobram o preço. Tudo medíocre demais, patético demais, como se nada de muito sério estivesse em discussão. O que importava era aparecer para os eleitores, valendo-se da retórica inflamada, de caras e bocas, de apelos passionais, de juras de ódio ou amor. Até tatuagens foram feitas, ou encenadas.

Saberá Temer aproveitar a segunda chance?

Não é de esperar. Ele fez um pacto de sangue com o “centrão”, viu o grupo de Rodrigo Maia crescer em articulação, distanciou-se das correntes que poderiam emprestar alguma credibilidade, alguma dignidade programática e alguns quadros teóricos a seu governo. Não dá para acreditar que, de um dia para o outro, reformulará tudo e se reinventará. Jura que voltará a se empenhar por reformas, mas não mostra ter forças ou votos para isso. Continua a ser puxado para baixo pelo perfil rasteiro do ministério, pela mediocridade parlamentar e pelo discurso chocho do próprio Presidente.

A decisão de ontem deverá ter pouco impacto no processo político que já aponta para as urnas de 2018. Ninguém ganhou com ela.

Temer não ficará sangrando em céu aberto, ainda que parte de suas vísceras estejam expostas. Pesará nada em sua sucessão, com poder zero para influenciá-la. Há uma interrogação flutuando sobre ele: como chegará até o fim? Lula tem imensos problemas e até os passarinhos do Planalto sabem que sua eventual candidatura é mais um problema que uma solução, inclusive para ele próprio. Bolsonaro segue em busca de um partido e de uma plataforma civilizada, fazendo o possível para cortejar a direita, os ressentidos e os incautos. Tucanos estão em revoada, sem saber em que galho pousar. E Marina está, por enquanto, em fase de aquecimento.

A vasta e pouco estruturada área democrática do país permanece na expectativa, em stand-by, sem saber o que lhe reservará o dia de amanhã.

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