Seis meses depois

Antonio Dias, Jogo da Náusea. Óleo sobre tela, 1964.
Antonio Dias, Jogo da Náusea. Óleo sobre tela, 1964.
O governo acreditou que a sociedade se satisfaria com ataques coreográficos à esquerda, ao globalismo e às políticas identitárias

Um semestre depois de iniciado, o governo Bolsonaro pouquíssimo tem para apresentar. A terceira queda seguida nos índices de aprovação, que chegaram agora aos 32%, é um bom indicador.

Em parte é compreensível. Governos que nascem de rupturas costumam demorar mais tempo para engrenar. Acham que podem explorar às cegas novos caminhos, precisam aprender a fazer costuras complicadas em um material que não dominam. Acabam por atrair pessoas jejunas em política e administração, muitas delas ressentidas e com desejo de vingança.

Bolsonaro levou tudo isso ao paroxismo. Sua equipe foi composta de modo aleatório, a partir do que encontrou pelo caminho, sem maior critério técnico ou político, exceção feita a alguns poucos. Nasceu e evoluiu sem lideranças, o que prejudicou tanto a formatação de propostas e programas de governo, quanto a articulação parlamentar e o diálogo com a sociedade.

Pessoas desprovidas de talento, de vocação e de uma rota segura compuseram um ministério fadado a girar em falso, movido pela ilusória melodia da guerra ideológica. Não sabendo o que oferecer de concreto à sociedade, o governo acreditou que ela se satisfaria com ataques coreográficos à esquerda, ao globalismo e às políticas identitárias, em nome de Deus, da moral e dos bons costumes. Não funcionou.

Em áreas estratégicas como a Educação e a política exterior, houve muita retórica, muitos ataques a moinhos de vento e inimigos imaginários. Faltou tudo o que seria fundamental: propostas claras, visão prospectiva, planejamento, gestão, articulação. Depois de seis meses, continua-se de mãos abanando.

A queda nos índices de aprovação somou-se ao “caso Queiroz”, ao desgaste de Moro, ao prolongamento da crise econômica, ao desemprego, a sucessivas derrotas no Congresso, algumas emblemáticas, como no caso da posse de armas. Em consequência, o Congresso animou-se a ocupar os vazios deixados pela desarticulação governamental. Passou a atuar com desenvoltura, chamando para si até mesmo a reforma da Previdência, que já não pode mais ser vista como uma proposta do Executivo, ainda que possa beneficiá-lo.

O governo foi perdendo força ao longo dos meses. Não se pode dizer que tenha mergulhado na crise, pois ainda tem vela para queimar. Seu desempenho, porém, é medíocre. Entregou-se ao lado negro da força, como se desejasse se concentrar em medidas manchadas de sangue: armas, desprezo pelas minorias, liberação de agrotóxicos, facilitações no código de trânsito, combate a reservas ambientais e a terras indígenas. Um estrago atrás do outro. Nada o beneficiou.

Talvez por ter percebido os riscos que se embutem nessas escolhas, o governo parece ter adotado algumas medidas de contenção. Por um lado, mediante uma ordem unida informal, obrigou suas alas a recuar na luta interna. Nas últimas semanas, já não se vê tantos arranca-rabos patrocinados pelo mago da Virginia ou por Carlos Bolsonaro, que desgastavam o governo ao ritmo alucinante de tuítes e postagens em redes sociais. Os ministros mais ideológicos – Weintraub e Araújo – acomodaram-se no fundo do palco e diminuíram o uso abusivo do estoque de bobagens que possuem. Não estão fora de circulação, ainda falam, e sempre que falam causam espanto e horror. Basta ver as declarações do ministro da Educação associando Lula e Dilma ao peso de uma carga de drogas.

O importante acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul foi finalmente celebrado em Osaka, Japão, depois de se arrastar por vinte anos. Os méritos por ele precisam ser distribuídos por vários protagonistas, mas não deixa de ser um trunfo para Bolsonaro. O acordo, porém, representa uma derrota da retórica antiglobalista e “trumpista” ensaiada pelo ministro das Relações Exteriores. Foi uma vitória do pragmatismo típico do Itamaraty. Ainda mais que veio aliado à reiteração do compromisso brasileiro com o Acordo de Paris, uma referência ambientalista global. Tudo somado, pode ajudar o governo a encontrar um eixo.

Por outro lado, Bolsonaro começou a falar em reeleição. Pode ser um projeto, quem sabe uma demarcação de território frente a nomes que já estão em campo, pode ser tão somente uma nova maneira de manter acesa a chama de seus seguidores mais fanáticos.

São declarações, porém, que podem acender a chama do lado oposto e ajudar os democratas a agirem com maior competência e determinação.

O jogo está só começando.

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