Sobre tribunais e miudezas da pequena política

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Afastando-se ou não Temer, as coisas seguirão as mesmas e o país chegará ao fim de 2018 como os mesmos recursos e a mesma elite política de que dispõe hoje. É um jogo de cartas marcadas, de correlação de forças congelada, de vazios petrificados.

Compreensíveis e justas as diversas manifestações de indignação pela conduta da maioria dos ministros do TSE que rejeitou a cassação da chapa Dilma-Temer.

As provas de corrupção e abuso de poder econômico são tantas, o relatório do ministro Herman Benjamin foi tão minucioso e firme em apresentá-las, que não as considerar soa como uma bofetada na República.

Os argumentos foram devidamente sustentados e cercados pelos ouropéis habituais. Apoiaram-se na tese de que não haveria “prova robusta e inconteste” de que a campanha de 2014 beneficiou-se de dinheiro sujo. Agarraram-se ao pretexto de que não deveriam ser considerados fatos novos que surgiram a posteriori e que deixaram evidente que houve cooptação do poder político pelo poder econômico, financiamento ilegal de campanha. Como não levar em conta tais fatos?

Não houve nem sequer preocupação de disfarçar a parcialidade e a torcida, atitudes que não deveriam frequentar tribunais que estão a serviço da cidadania e da sociedade. Por detrás deles, prevaleceu a ideia de que os ministros estão ali para cumprir uma função política e proteger o presidente e sua antecessora. Disseram que julgar um mandato presidencial é muito grave, exige responsabilidade máxima e cuidado extra, para que não se violentem a democracia e a soberania popular.

Tratar-se-ia de “salvar a política”, alegaram, libertando-a das amarras jurídicas tidas como “poéticas” e formais, desatentas à gravidade da situação. Devolver-se-ia então, a política ao seu ambiente próprio, onde os políticos se sentem à vontade para fazer valer as máximas do pragmatismo, do realismo, da “salvação do país”, de olho nas benesses do poder.

Acontece, porém, que iniciativas voltadas para “salvar” um país só podem progredir se estiverem sintonizadas com a grande política, não com a pequena política, impregnada de miudezas e cálculos mesquinhos.

Seria de esperar que a Justiça prevalecesse e a Lei valesse para todos quando se tem diante dos olhos o escândalo de uma chapa que abusou da força econômica de seus apoiadores e pouco se importou com a origem ilícita e escabrosa dos dinheiros recebidos.

O momento pede isso, a situação de degradação política pede isso, o tamanho dos crimes que têm sido cometidos por agentes políticos exige isso. A opinião pública democrática esperava que nos tribunais se fizesse sentir a voz da Justiça. Como citou o ministro Luiz Fux em seu belo voto: “O direito não pode servir de instrumento para a proteção das iniquidades”.

Porém, ainda não é hegemônica no Brasil uma Justiça democrática, concentrada na valorização da coisa pública e no valor universal da Lei. Não fossem operações como a Lava Jato ainda estaríamos ao sabor de juízes que julgam de acordo com conveniências políticas e circunstâncias, em contradição com a Constituição, a ética republicana e a expectativa social.

No entanto, decisões como a do TSE não são determinantes daquilo que acontece no chão duro da política prática. Afastando-se ou não Temer, cassando-se ou não Dilma, as coisas seguirão as mesmas e o país chegará ao fim de 2018 como os mesmos recursos e a mesma elite política de que dispõe hoje.

É um jogo de cartas marcadas, de correlação de forças congelada, de vazios petrificados.

Tudo indica que Temer terminará seu mandato graças à combinação de alguns motivos.

Primeiro, é irrelevante no jogo que está sendo jogado. Presidentes já não fazem mais a diferença. Temer, em particular, não melhorará sua sorte se for absolvido. Não governará melhor se permanecer no cargo até o final. Não ganhará credibilidade e apoio popular. O país não ingressará em um estágio superior de existência. Suspeita-se que isso não acontecerá nem mesmo depois que elegermos o próximo presidente em 2018.

Temer, porém, detém o controle do Congresso Nacional, seja por meio da articulação do “baixo clero”, seja pela união dos querem escapar da Lava Jato, vindos da direita e da esquerda. (Sim, ao PT não interessa nem eleições diretas já, nem o risco de uma eleição indireta que escolha um outsider sem apetite para frear a Lava Jato.).

Não há nomes consensuais para substituir Temer, problema esse que impacta o processo imediato, de curto prazo, como o processo eleitoral de 2018.

A agenda de reformas está escrita nas estrelas, será aprovada mais cedo ou mais tarde. E interessa a todos os partidos e a todos os políticos, questionamentos retóricos à parte.

Não há oposição com envergadura e inteligência tática para depor Temer ou forçá-lo à renúncia, nem para mobilizar a sociedade para o que quer que seja.

Não é inédito, nem deveria causar espécie, que um presidente fragilizado, desmoralizado, sem crédito na praça e sem um programa ousado de governo sobreviva, fazendo de conta que governa, deixando as tarefas importantes para seus assessores e dedicando-se às miudezas da pequena política.

É triste e preocupante. Mas não é o fim do mundo.

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