Tempo de balanço

Ferreira Gullar. Técnica mista sobre papel (lápis de cera). 1998.
2020 repete o que se teve em 2019: não há governo que governe, coordene e lidere

Todo final de ano é um convite para que se avalie o que ganhamos e o que perdemos, o que podemos esperar do ano vindouro, que bate às portas e nos enche de esperança e inquietação.

Sairemos do buraco em que nos metemos? Já chegamos ao fundo do poço ou ainda há terra para cavar?

Não há como responder a isso de forma categórica. A vida é dinâmica. Mas a sensação é de que não batemos no fundo. O País continuará em guerra, assistindo aos ataques da Presidência ao Congresso, à Suprema Corte, à imprensa, ao bom senso. Os bolsonaristas podem estar desmoralizados, mas não nos darão trégua. Esse é o programa de trabalho do governo, não há porque apostar que ele mudará sem que uma pressão fortíssima seja feita pelos cidadãos e pelas instituições. A quantidade de crimes de responsabilidade e de falta de decorro que cometeu é tão grande que surpreende que ainda não tenha sido posto na mesa o seu impeachment.

Quanto mais próximo do fim do mandato, em 2022, mais Bolsonaro continuará a ser Bolsonaro. Quanto mais a lama cercar seu entorno e seus filhos, mais tenderá a radicalizar para agradar a seus fanáticos e a posar de “bonzinho” para se aproximar da massa pobre da população.

Sua postura diante das vacinas é emblemática. Fala em união e coesão num dia, grita contra a vacinação no outro.

A situação econômica não deve melhorar em 2021. Se não piorar dramaticamente já será uma vitória. Isso porque a pandemia se prolongará, o governo não tem uma política de recuperação e a situação fiscal do País é grave. Poderão se manifestar os efeitos do isolamento internacional produzido pelas orientações governamentais, seja em termos de meio ambiente, seja em termos de relações externas.

Com isso, o desemprego permanecerá elevado, com espasmos localizados e muita compressão sobre a renda. Sem o auxílio emergencial, a situação piorará e poderá encurralar o governo, que responderá como fera acuada.

Se o candidato governista à presidência da Câmara perder, o cenário se desanuviará um pouco, sobretudo se a unidade oposicionista eleger um nome com bom trânsito político e produzir uma efetiva defesa da centralidade e da independência do Legislativo, com uma atuação firme em defesa dos direitos e uma postura de recusa aos desmandos presidenciais. Será um ensaio do que os democratas poderão fazer mais à frente.

O balanço de 2020 repete o de 2019: um governo muito ruim, sem qualidade técnica e sem capacidade de articulação. Falta-lhe plano de governo, falta-lhe coordenação entre os ministérios, faltam-lhe comando e liderança. Não há setor que possa mostrar “realizações” positivas, alguma luz, uma réstia de ousadia. A cartilha de Bolsonaro é seguida com a cabeça baixa por todos os ministros. O estrago que isso provoca nas estratégicas áreas da Saúde, da Educação, da Cultura, da Infraestrutura, do Meio Ambiente, cobrará seu preço mais adiante.

Para não terminar o ano em clima de depressão, resta-nos lembrar que a sociedade ainda respira, dispõe de recursos de ação e de um povo que gosta de viver. A política voltou a latejar com sinal positivo nos últimos meses, há um clima de maior entendimento, a democracia se mantém. Pode não ser muita coisa, mas é o que nos dá uma perspectiva de futuro.

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