A tragédia da comunicação política

Os políticos têm votos, mas nem todos se valem deles para honrar o mandato recebido. As maçãs podres contaminam todo o cesto, fazendo com que a taxa de lealdade aos políticos fique dramaticamente declinante. Muitos são abandonados pelos eleitores no momento seguinte à consagração nas urnas.

Em artigo publicado no Estadão (31/08/2017) e que parte de uma consideração dos resultados da recente pesquisa IPSOS que mostrou o desencanto dos brasileiros com os poderes constituídos e especialmente com seus ocupantes, Eugênio Bucci pôs o dedo em algumas de nossas mais sintomáticas chagas políticas e institucionais.

É um texto que convida à reflexão. Seu ponto forte é a constatação de que há um problema de comunicação na política brasileira: ou o poder fala muito quando devia se resguardar, ou fala e não se faz entender adequadamente. Juízes saem da discrição que deles se espera e buscam palcos e holofotes para chegar ao público, como se estivessem predestinados a fornecer a luz da razão, uma solução ou um caminho. Alguns falam pelos cotovelos, em uma linguagem que ora se esconde no rebuscamento desnecessário e ora se derrama em uma sucessão de inconveniências que assustam e constrangem a própria liturgia do poder que representam.

Políticos, por sua vez, falam o tempo todo. Dependem disso para cumprir suas funções: vivem de parlamentar. O problema, aqui, é que uma parte importante da “classe política” escorrega no fundamental. São políticos que se caracterizam pela prática de narrativas rasteiras e discursos trôpegos, nos quais nem sequer a língua pátria é tratada com cuidado. Exibem muitas vezes uma completa ignorância sobre o tema em tela e falam como se, do “outro lado”, houvesse uma legião de néscios e broncos que em tese aceitariam tudo. Empregam recursos performáticos de baixíssima qualidade, buscando com isso criar algum tipo de empatia com os eleitores. Enchem a boca para falar de Deus, da família, da religião, da igreja, do município querido, revelando uma pobreza argumentativa próxima do zero.

Quando esta parcela da “classe política” sobe à tribuna, os eventuais ouvintes mergulham no sofrimento agônico. A tais representantes, falta praticamente tudo: conteúdo, forma, retórica, postura, graça e beleza, consciência da missão da política, projeto de sociedade, ideia do mundo em que se vive.

Bucci acerta quando lembra que o problema da comunicação, em política, não é técnico. Não tem a ver nem mesmo com domínio da linguagem ou com densidade cultural, livresca. O problema é em si mesmo político, passa pelos canais complexos da representação e da legitimidade. A falta de estofo intelectual e de pensamento crítico ajuda a que se entenda o drama, mas não serve para justificá-lo nem o explica. “Quando os representantes não compreendem os representados e não se fazem entender por eles – observa –, o que lhes falta não costuma ser meramente a competência profissional de marqueteiros: no mais das vezes, falta-lhes legitimidade”.

Se a política está em crise, um dos fatores que melhor demonstram isso é a qualidade dos representantes, sua incapacidade, desinteresse ou dificuldade de assumir a decisiva tarefa de contribuir para o adequado processamento das demandas sociais e a educação da cidadania. São vistos com desconfiança pela população, que não os acompanha, não os admira e os trata com desdém. Flutuam sobre o povo como agentes paralisantes, que acenam com promessas e permutas que pouco têm de republicanas ou democráticas.

Os políticos (do Executivo e do Legislativo) têm votos, mas não todos que se valem deles para honrar o mandato recebido. As maçãs podres contaminam todo o cesto, fazendo com que a taxa de lealdade aos políticos fique dramaticamente declinante. Muitos são abandonados pelos eleitores no momento seguinte à consagração nas urnas.

Há casos emblemáticos.

Dilma Rousseff foi eleita e reeleita, mas não contou com apoio ativo desde o primeiro dia de seu segundo governo. Quando mais precisou dos 50 milhões de brasileiros que a elegeram, não animou ninguém. Michel Temer também foi eleito, junto com Dilma, mas não obteve em nenhum momento reconhecimento popular. Já com Aécio Neves ocorre algo ainda mais impressionante: depois de quase ter sido eleito em 2014, em pouco mais de dois anos chegou ao fundo do poço, exibindo 91% de rejeição.

Todos os três exibem a tragédia da comunicação política entre nós naquilo que tem de mais relevante: o não preenchimento do enorme vazio que existe entre os de cima e os de baixo, entre governantes e governados, entre Estado e sociedade. Ajudaram e estão a ajudar a fazer com que a grande massa brasileira permaneça rebaixada em termos cívicos, acreditando em redentores, à espera de um Messias, sem ser alcançada pela política ou simplesmente virando as costas para ela. A comunicação política não é, para eles, um recurso democrático, mas uma mera ferramenta para a conquista de votos.

O fenômeno alcança também os que estão de olho nas urnas de 2018.

É o que se pode notar na movimentação frenética dos santos guerreiros atuais, Lula e Bolsonaro. São personas muito diferentes entre si. Impossível compará-los quando se leva em conta os propósitos embutidos em suas promessas. É vã a tentativa de vê-los como expressão de uma polarização entre esquerda e direita, pois ambos escapam de classificações simples, embora Bolsonaro se esforce ao máximo para parecer expressão viva da autoridade regressista. Deste ponto de vista, consegue fazer vibrar o que há de pior no direitismo, usando-o para chamar atenção, jogar areia nos olhos de alguns e arregimentar sua tropa.

Já Lula não consegue mais funcionar como porta-voz das esquerdas. Não é acompanhado por elas a não ser de forma passiva, ou por falta de opções ou como uma espécie de último recurso que, em vez de projetá-las para frente, termina por empurrá-las para trás.

Em que pesem suas diferenças, um e outro dão sua contribuição para a manutenção dos brasileiros em estado de letargia e boçalização política. São adorados por pessoas fechadas a argumentos racionais, que não desejam debater nem se dão o saudável direito à dúvida. Formam séquitos hostis à política.

Cada um a seu modo, exprimem aquilo que Bucci chama de “política alienada”: uma política que se perde de si e se deixa subtrair por amigos do alheio. Suas palavras: “Alienada é a política que não cria mobilização e pertencimento, que negligencia suas funções representativas, que abre mão de ser um exercício de direitos para se entregar a malabarismos performáticos de reality show da boca do lixo. Alienada, também, é a política que presta contas a financiadores ocultos, enquanto, com a outra face, engambela os eleitores”.

Saber como conseguiremos construir uma estrada que valorize a política, resgate o que há de melhor na sociedade e no Estado e prepare um futuro mais auspicioso torna-se assim um dilema enigmático, que terá de ser resolvido. Quanto antes, melhor.

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