Depois da derrocada política, ideológica e eleitoral da esquerda democrática, do centro e da esquerda petista, os perdedores terminam 2018 amargando os efeitos de sua desarticulação. Procuram juntar os cacos. O vendaval bolsonarista abalou cálculos e personagens da democracia brasileira. Abriu uma espécie de caminho de volta.
Passadas as festas de fim de ano, terá de haver muita reflexão e ação.
PSB, PDT e PCdoB movimentam-se para organizar um arranjo político que funcione como bloco no Congresso e sirva de plataforma para deslocar o centro gravitacional das esquerdas, afastando-as tanto quanto possível do PT. Os petistas, por sua vez, terão de deixar de girar em círculos, abandonando a narrativa do golpe e da perseguição.
Ao mesmo tempo, o PPS e a Rede abriram conversas para examinar a possibilidade de uma articulação que abrigue os desejos de renovação de ambas as correntes políticas, juntamente com movimentos cívicos surgidos nos últimos anos.
Por entre esses dois mundos, flutuam políticos e ativistas originários do PSDB, do MDB, gente da esquerda pragmática, petistas realistas, tucanos incomodados com a guinada direitista do partido, pessoas sem vínculos partidários – todos preocupados em encontrar uma porta por onde passe uma agregação que cumpra funções de ordem prática e ideal.
Haverá quem trabalhe para que as três iniciativas acima mencionadas, ou ao menos duas delas, convirjam no médio prazo em direção a um ponto comum. E haverá quem pense que nenhuma delas viabilizará uma oposição propositiva, consistente e vigorosa ao próximo governo federal.
No fundo, estão todos convencidos de que os partidos existentes já não dão conta da situação e precisarão agir de outra maneira, quem sabe extraindo de seu interior os germes da própria superação, rumo à formação de um novo movimento político.
Estão aí as dificuldades. Alguns falam em fortalecer o que tem sido chamado de “centro radical”, outros cogitam de um “centro” sem adjetivações adicionais, há quem pense em termos de “centro-esquerda” e outros, por fim, acreditam que não se deveria trabalhar com a ideia de “centro”, imprecisa demais, mas de social-democracia.
Os nomes importam. Se se quiser ter um novo posicionamento das forças democráticas brasileiras, a ideia de “centro” é preciosa, mas precisa ser adequadamente processada, qualificada com rigor. Sem isso, dificilmente exibirá face rejuvenescida e não conseguirá se desvencilhar do que já se tentou fazer no passado, sem grande sucesso. Sem isso, terá reduzido poder de sedução, enfraquecendo-se diante da opinião pública e da esquerda democrática, que tem peso próprio não desprezível em termos de concepções políticas e valores.
Um “centro radical” é uma proposição engenhosa, no sentido atribuído à expressão pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas carece de formatação. Poderia ser mal interpretada como opção por um posicionamento “radicalmente de centro”, isto é, algo que não é nem esquerda e nem direita: um muro não muito largo no qual só haveria lugar para políticos pouco atentos à questão social e aos direitos humanos, concentrados na reforma da economia e do Estado em sentido fiscalista e gerencial, mais dedicados a futuros embates eleitorais e parlamentares do que ao diálogo com a sociedade.
Não seria um “centrão”, mas sua identidade ficaria embaçada, inviabilizando-se para dialogar com as multidões e, acima de tudo, com as novas gerações, que não querem mais do mesmo. Não é o que pensa FHC, mas o risco da ideia se perder nas nuvens é real.
Qualquer “centro” que queira cumprir uma função positiva no Brasil atual terá de infletir para a esquerda. Não em termos ideológicos, mas em termos programáticos, valorativos. Terá de se distanciar da esquerda anacrônica, aprisionada ao século XX, e abraçar uma esquerda que saiba decifrar o século XXI e ativar os valores da democracia, da liberdade, da igualdade, da justiça. Precisa ser mais progressista que reformista, voltar-se mais para o social que para o econômico, atacar com determinação a desigualdade, ser capaz de temperar seu moderantismo com boas doses de generosidade social e combatividade democrática.
Chamá-lo de “centro” não ajuda muito. Antes de tudo, porque carrega um pecado de origem, o da imprecisão.
Não se trata de implicância nominalista. Em política, estamos sempre à procura de selos que identifiquem e, ao identificarem, auxiliem a produzir apoios e adesões. A política democrática é uma arte dedicada a unir, mas também a distinguir e diferenciar: somente se unem partes que têm clareza do que são e aceitam a dosagem de seus interesses particulares em nome de um interesse comum.
Para enfrentar o furacão direitista que sacudirá o país nos próximos anos e que, à primeira vista, fará isso conforme as regras do jogo, necessitamos de um polo democrático progressista suficiente articulado para abrir-se à direita liberal e à esquerda democrática, a reformistas moderados e a socialistas, a liberais, verdes e sustentabilistas. Um polo que entre firme no século XXI, abandone dogmas e roteiros já experimentados, disponha-se a elaborar uma nova teoria da sociedade nacional e a enfrentar com determinação os graves problemas do País.
Requerem-se iniciativas que sejam claramente democráticas, abertas, laicas, flexíveis, com capacidade de expansão e de negociação, que reverberem no Parlamento e nos ambientes da sociedade civil, compondo o que há de vida ativa no Brasil atual sem concessões desnecessárias à direita, à esquerda e ao centro. Nada disso é obra de curto prazo.
Que 2019 represente, para os democratas, a abertura de uma fase nova, na qual se compreendam as carências acumuladas, os erros cometidos e se prepare o terreno para o amadurecimento de uma oposição política que traga consigo o futuro.
Alem de lhe dizer que gostei do texto, e que questões que eu colocaria a você – de nosso fôlego para isso tudo, de lideranças confiáveis – já foram colocadas e respondidas em comentários anteriores, quero contar que também tenho um Darel! Gosto muito do trabalho dele…
Até assustei quando vi sua resposta para a primeira Heloisa, antes mesmo de eu contar !!!
Que beleza, as Heloisas e o Darel. Aproveito para te desejar um feliz 2019, com fôlego e esperança. Abraço
Eu tenho um quadro do Darel!
Sou um admirador do trabalho do Darel, Heloisa. Tenho umas 4 gravuras dele, de épocas diferentes, gosto muito, pela força imagética que transmitem e pelo traço, inconfundível. Se vc quiser me dar o teu quadro de presente, aceitarei de bom grado (rsrsrs). O que é, uma gravura? Cidades ou mulheres? Grande abraço prá vc
Excelente avaliação professor. Será que temos liderança para mobilizar os vários atores e conduzir o processo de sua organização?
É essa a grande questão, Alfredo. Creio que ainda não temos como saber, porque o processo político sempre pode criar suas próprias condições de afirmação no plano das subjetividades. Que o ano novo nos ajude a resolver essa questão! Grande abraço