A demissão do ministro Vélez Rodriguez, da Educação, não pegou ninguém de surpresa. Dada como certa, abriu uma janela de oportunidade para o governo Bolsonaro.
A manobra foi uma tentativa de limpar um campo minado. O governo se desgastava ao permanecer sancionando o despreparo de Vélez e deixando-se contaminar pelas disputas entre “olavetes” e militares. Com a defenestração do ex-ministro, o governo pode começar a dar à educação um mínimo de atenção.
A guinada, porém, não é líquida e certa. O novo ministro, Abraham Weintraub, um bolsonarista de primeira hora, também é jejuno em gestão educacional, ensino médio e educação básica. Não tem nenhuma das qualidades que são preciosas no complexo mundo da educação: não é técnico da área, não tem experiência, não é um intelectual e nem um articulador político. Dizem que é ligado a Ônix Lorenzoni e próximo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Weintraub não se cansa de elogiar Olavo de Carvalho e sua guerra ideológica ao “marxismo cultural” e à esquerda. Segundo gosta de dizer, procura adaptar as ideias do escritor à luta pela destruição da militância de esquerda, que precisaria ser combatida “sem premissas racionais”, com dureza, ironia e palavrões.
É uma disposição que contradiz suas primeiras palavras depois da indicação: “minha missão é cumprir o que foi escrito no programa de governo de forma serena, tranquila e eficiente, de forma a gerar bem-estar ao cidadão”. Isso deveria levá-lo a examinar com cuidado todo o vasto leque de temas e problemas da educação, que vão da merenda escolar à carreira docente, da avaliação à base curricular, do livro didático à fixação de diretrizes para estados e municípios, da infraestrutura ao financiamento das escolas . Não há como saber se algo assim acontecerá.
O MEC também incide sobre a vida universitária, que se encontra hoje num momento delicado, com universidades em dificuldades financeiras e mal aparelhadas de docentes. Weintraub, em declarações anteriores, parece achar que um ajuste precisa ser feito, mediante a desidratação das faculdades de Humanas (vistas como focos esquerdistas) e o privilegiamento das Ciências Aplicadas. Circulou bastante uma frase que proferiu meses atrás: “Em vez de as universidades do Nordeste ficarem aí fazendo sociologia, fazendo filosofia no agreste, deviam fazer agronomia, em parceria com Israel”. Ideia que tanto pode sugerir um preconceito contra os nordestinos como uma intenção de redimensionar as universidades públicas.
Bolsonaro optou pelo mais do mesmo, escolhendo alguém com afinação ideológica e disposição para o confronto. Recusou-se a ampliar apoios e a buscar interlocução com os agentes educacionais. Sinalizou que devem ser chamados de volta os “olavetes” afastados durante a confusa gestão de Vélez, desprezando entendimentos com os técnicos do MEC e com os militares que auxiliaram a dar estrutura ao ministério e valorizam a dimensão estratégica da educação.
A decisão presidencial tenta puxar um freio de arrumação no MEC, mas não indica que esfriará a influência do guru da Virginia, cujo estilo grosseiro, chulo e agressivo cativa o clã presidencial, mas pesa como uma bola de chumbo que amarra as pernas do governo e nada agrega de valor.
Agora, é o caso de ver como se comportará o novo ministro. Se ele, à diferença de seu antecessor, conseguir apresentar, em pouco tempo, um plano, uma ideia que seja, para gerir a educação no País, ajudará a dar ao governo um eixo que até agora não foi encontrado. Se permanecer agarrado ao doutrinarismo reacionário que vê os problemas da educação como sendo derivados da “militância comunista”, a ser combatida “sem premissas racionais”, a janela de oportunidade não passará de uma fresta, que logo se fechará.
O enigma Vélez se prolonga agora no enigma Weintraub. Até dá para imaginar o que um e outro poderiam fazer como ministros. O que não se consegue entender é como uma área vital como a Educação possa cair nas mãos de pessoas tão pouco preparadas e alheias às reais necessidades educacionais do País e às expectativas de pais, alunos e professores.
Um enigma com potencial para fazer do governo Bolsonaro um verdadeiro protótipo do Apocalipse.
Caro Marco
Como pode a Nova República esboroar tão facilmente? O que faltou na estruturação das políticas públicas participativas para que a administração pública revele ser essa presa frágil à pirataria?
Aqui em São Paulo não é muito diferente a força da centralização.
Abs,
Luiz Palma
Caro Luiz, é uma questão importante essa tua. Não sei respondê-la de modo cabal, mas suspeito que faltou o fundamental: unidade política, consensos democráticos, boas estruturas de ação (partidos) e uma dose cavalar de responsabilidade cívica. O problema, me parece, não é só de excesso de centralização, essa praga que nos acompanha desde sempre, mas de escassez de coordenação democrática. Vai demorar para o carro voltar a rodar com alguma suavidade. Abraço