Uma ‘terceira via’ precisa de ideias

Luiz Sacilotto, Têmpera sobre tela
Luiz Sacilotto, Têmpera sobre tela
A construção de um “terceiro” nome para 2022 está longe de ser simples, nesse País politicamente tão fragmentado e no qual os partidos contam menos a cada dia.

Ao defender, em entrevista publicada pelo Estadão na sexta-feira 13 de agosto, que a formulação de um projeto de longo prazo deveria prevalecer sobre a escolha de candidatos às eleições presidenciais de 2022, a ex-senadora Marina Silva, principal referência da Rede Sustentabilidade, pôs o ovo em pé. Deixou suspensa no ar a questão que deveria estar nos cálculos dos políticos em ação, mas que teima em ser deixada de lado.

Há uma fixação nacional pelo nome, pela pessoa que encarnará as aspirações dos diferentes setores da sociedade, ou que ao menos acene com uma perspectiva. Faz-se isso sem que se pergunte o que cada aspirante executará caso vença as eleições e o que oferecerá aos eleitores para que avance.

Se girarmos o periscópio, veremos que hoje há dois nomes ocupando o palco, os óbvios Lula e Bolsonaro, e um monte de gente querendo nele subir. Os que já se consideram candidatos nada apresentam de concreto, a não ser a promessa de “voltar ao passado generoso” ou de incrementar a “destruição do sistema”. Há uma expectativa de que o centro democrático, um pouco inclinado à esquerda, chegue a algum consenso e apresente um postulante com alguma viabilidade. A centro-direita também se mexe, insuflada pelo PSD de Gilberto Kassab. E há os avulsos de sempre, ávidos por um lugar ao sol.

Frestas e possibilidades estão dadas. Existem de fato. A “terceira via” é uma espécie de tertium datur da política, um terceiro possível mas não necessariamente posto. No entanto, uma névoa recobre tudo, e vai assim alimentando as pretensões dos dois que já pisaram o palco, de certo modo estreitando as opções. Interrogações e indefinições se acumulam, deixando atônitos os cidadãos. Há muito movimento, mas a paralisia se faz sentir. Faltam ideias, sinalizações substanciosas, que deem materialidade às articulações anunciadas.

Nesse contexto, a questão derivada da entrevista de Marina faz todo sentido: supondo que estejam a testar suas forças para então convergirem em torno do nome mais viável, por que é que Ciro Gomes, Luiz Henrique Mandetta e Eduardo Leite não põem as cartas na mesa e formulam ao menos uma ideia geral do que pretendem para o País? Teriam um projeto, um plano, um programa, pelo qual se comprometeriam a lutar e que sustentaria o compromisso dos três em seguir unidos até as urnas do ano que vem. Dariam uma demonstração cabal de que a “terceira via” tem musculatura e consistência, mais do que performances competentes de políticos que estão hoje a se apresentar em debates. Seria um importante recurso para que se possa ir além das boas intenções com que se têm movido até agora.

Marina Silva foi aguda em seu diagnóstico: “Quando você estreita os caminhos em torno de escolher o que já está posto, não é escolha. A escolha pressupõe um terceiro. E quando um terceiro ainda não existe, a gente tem de trabalhar para construí-lo”.

A construção deste “terceiro” nome está longe de ser algo simples, nesse País politicamente tão fragmentado e no qual os partidos contam menos a cada dia. Exige pertinácia, resiliência e desprendimento, valores que são escassos no mundo da política. Passa por articulações delicadas, que precisam levar em conta interesses locais e regionais. Numa hora agônica como a atual, porém, tal construção deveria ser encarada como uma tarefa democrática de primeiríssima grandeza, a expressar o encontro de uma síntese que ponha o Brasil em outro patamar.

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