Não é correto nem digno, nesta hora dramática em que vivemos no Brasil, silenciar sobre o que está em jogo no segundo turno das eleições presidenciais.
Não estamos diante de uma disputa qualquer, de uma competição entre dois candidatos que se posicionam com um idêntico respeito pelas regras democráticas. Lula e Bolsonaro são pontos antípodas de uma disputa que transcorre de modo imperfeito, sem muita clareza e sem densidade. O embate entre eles se tem feito em tom de ataques recíprocos, sem preocupações programáticas ou de esclarecimento público. Tudo tem sido levado para o palco eleitoral – da liberdade religiosa às convicções morais –, o que dificulta o discernimento e as escolhas da população.
A batalha eleitoral de 2022 é entre democracia e autoritarismo, civilidade e barbárie.
O que está em disputa hoje, muito mais do que em outros momentos de nossa experiência como Estado democrático, é uma ideia de País e, sobretudo, de governo.
O Brasil não vai acabar, por mais que esteja à beira do precipício. Tem resiliência e recursos para seguir em frente. Mas pode continuar piorando, o que será trágico. Estamos ficando para trás em diversos setores estratégicos, como o ambiental, o científico e o tecnológico. Áreas sociais estratégicas – saúde e educação, antes de tudo – foram desconstruídas e abandonadas à própria sorte. Nossa imagem no mundo nunca foi pior, consequência de uma política externa feita com rancor, sem diplomacia e baseada em postulações ideológicas. As agressões à democracia, às instituições do Estado, à civilidade, ao decoro público foram tantas que, se continuarem a se repetir, farão do Brasil uma caricatura.
A disputa pelo imaginário brasileiro mostra que a sociedade, além de dividida, está atarantada. A direita reacionária se projetou, mobilizando medos e fantasias regressistas, que açulam o “conservadorismo”. Do lado oposto, a agenda é vasta, há muitas pautas parciais, bastante valorização de direitos e diferenças, mas falta um consenso consistente sobre o País. A ausência de uma voz democrática coesa e forte se faz sentir de forma pungente, deixando a sociedade sem saber que futuros podem ser cogitados como possibilidade concreta.
Nos últimos anos, a democracia brasileira se fragilizou muito. Instituições importantes foram feridas, houve uma desconstrução generalizada dos órgãos de Estado, políticas públicas foram abandonadas, a polarização política cresceu expressivamente e foi aceita como “normal” pelos próprios democratas, que pouco fizeram para desativá-la.
Em termos mais imediatos, o próximo ciclo não vem embalado por ventos animadores. Poderemos entrar numa situação melhor, com certeza, mas nem por isso nossos problemas desaparecerão. A partir de 2023 a situação será complexa, de governança difícil. Irá se abrir um período de reconstrução, que também terá de ser de pacificação. Sociedades politicamente divididas são frágeis, impotentes. Precisamos cimentar as fendas que se abriram, recuperar os alicerces. Quanto antes organizarmos nossa democracia e alcançarmos pontos de convergência entre os democratas, melhor.
Os democratas sempre perderão enquanto não se articularem com competência, enquanto não trabalharem com afinco por uma democracia com lastro e livre de polarizações venenosas, enquanto não lutarem para fazer com que a população volte a confiar na política e nas instituições que nos governam.
O voto em Lula no segundo turno está além de disputas ideológicas, partidárias ou identitaristas. É um voto estratégico, “quente”, carregado de esperança e de confiança em dias melhores. Um voto que acredita ser indispensável abandonar polarizações improdutivas que nos amarram ao passado. Precisamos construir plataformas para viabilizar sonhos comuns.
É, também, um voto de repúdio a um governo que maltratou o Brasil e seu povo, desorganizou o Estado, desmontou políticas sociais que a duras penas cumpriam uma função positiva. Um governo que, se permanecer, comprometerá o futuro.
Todo voto é uma aposta. Ao depositá-lo na urna, acreditamos estar fazendo o melhor, o mais correto, o mais adequado, na expectativa de que nossa escolha ajude à coletividade e integre, desse modo, uma escolha coletiva. Eleições não decidem tudo, não podem resolver os problemas de nenhuma sociedade. Mas sempre contêm uma expectativa de arejamento, de mudança para melhor, de alcance de uma governança qualificada. Eleições não existem para agradar a todos. Há os que vencem e os que perdem, o que é bom para uns pode não ser bom para outros. Mas, quando transcorrem sem atropelos, é por meio delas que as sociedades processam seus conflitos.
Hoje, o voto é o principal recurso de que dispomos para virar uma página sombria da história brasileira.
Votar em Lula é, no mínimo, uma medida cautelar, uma manifestação de cuidado e preocupação com o Brasil. É uma aposta na democracia, na civilidade, na liberdade, na busca de igualdade. No futuro.
Artigo publicado em O Estado de S. Paulo, 22/10/2022, p. A7.
Ola Caro Professor, li hoje seu artigo ¨( votar pelo futuro), gostei muito da sua analise. Parabéns um grande abraço..
Obrigado, João!
Artigo perfeito , se o voto de cautela for para Bolsonaro.Por tudo dito pelo EX- presidiário ele sim é o perigo para a democracia .
reflexão tardia: tinha que ter resolvido a fatura no primeiro turno, a despeito de Lula e do PT. Agora temos o choro sobre o leite derramado e os riscos que muitos de nós sabemos e não queríamos.
Bem, cada um faz o que pode. Quem devia ter resolvido a fatura era a campanha de Lula, não a minha reflexão. Você tem todo o direito de achá-la “tardia”, mas não pode responsabilizá-la por nada. Também tem o direito de chorar pelo leite derramado, e se possível deve procurar descobrir quem foi que o derramou.