
Desistência de Joaquim não diminui divisão dos democratas
É um bom momento para que se tente dar destaque ao que une os cidadãos que se põem no território da democracia política, hoje ocupado por liberais, conservadores, socialistas e comunistas.
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Numa dinâmica e instigante conversa, publicada no canal de Risério no Youtube, o antropólogo e o sociólogo discutem as principais questões da agenda política e cultural contemporânea.

É um bom momento para que se tente dar destaque ao que une os cidadãos que se põem no território da democracia política, hoje ocupado por liberais, conservadores, socialistas e comunistas.

Não faz sentido supor que a esquerda seja toda ela dominada pelo marxismo ou pelas ideias de Gramsci. Falar que o marxismo domina a universidade cria um fantasma e atribui a ele problemas cuja origem está em outros fatores.

Em 2018, no Brasil, as centrais sindicais uniram-se num ato em Curitiba, numa articulação rara, que deveria ser motivo de comemoração. O problema é que há uma crise na vida sindical, provocada não pela política, mas pelas modificações na estrutura da vida social.

O mal-estar institucional, porém, é real. Hoje, no Brasil, o sistema vive numa espécie de “caos estável”: funciona, mas está cheio de problemas e gera pouca adesão cívica. Os cidadãos “obedecem” às regras instituídas, mas fazem isso por “gratidão” ou receio da punição, não por algum critério racional de “respeito” ou “apreço”.

Consensos “constituídos” na sociedade civil podem ajudar a que se construam consensos “racionalmente possíveis” na sociedade política. A postura realista e as ferramentas da teoria política são úteis para a compreensão da realidade.

Preso ou solto, Lula continuará vivo. Não há como ser sumariamente descartado da política brasileira. Há muitos recursos que podem ser mobilizados em termos simbólicos, ideológicos, organizacionais e partidários para mantê-lo ativo, seja como fator de interferência na política, seja como mito, herói ou mártir.

A política não está conseguindo coordenar a si própria e articular o social. A crítica democrática foi substituída pelo ressentimento, pela indignação moral, pela intransigência, pela intolerância. A incapacidade reflexiva faz com que os partidos não consigam processar intelectual e politicamente o mundo em transformação e se deixem encantar pelos enigmas que não conseguem decifrar.

Poderes divididos e desnorteados são poderes inoperantes, expostos e devassáveis. Quando um poder como o Judiciário entra em crise e se despedaça, torna-se uma ameaça para a sociedade. Em vez de protegê-la e convidá-la a respeitar a lei, converte-se em agente da corrosão ética que ameaça devorar a convivência entre os cidadãos

Se alguma mobilização popular quiser ser vitoriosa no Brasil ela terá de ir além de Lula. Terá de se por com clareza o tema da corrupção e dos males que acarreta para a democracia, a questão da impunidade dos poderosos – de todos eles, da esquerda à direita –, a questão do valor da Constituição e das instituições dedicadas à sua defesa e interpretação, como é o caso do STF.

O país conhece inédita elevação da temperatura política. O período pré-eleitoral turbina tudo, mas também há coisas mais profundas e perturbadoras por baixo dele. Deste subsolo tóxico sobem gases que envenenam o debate político e desafiam a democracia, arrastando as eleições para uma zona de risco.

Ao olhar para o Estado, os cidadãos ficam ressabiados e inseguros. O Leviatã simplesmente parece em coma. Da Presidência da República ao Legislativo, passando pelo Judiciário, sucede-se o mesmo quadro: cabeças batendo entre si, mediocridade generalizada, reações adaptativas e defensivas, uma recorrente demonstração de que ninguém sabe bem que direção tomar.

Dória não é o “culpado” por ter feito as coisas chegarem a esse ponto. Ele simplesmente se aproveitou das fendas que passaram a ser exibidas pelas fortalezas partidárias. Entrou com tudo no PSDB, expondo a fragilidade de sua estrutura e a baixa convicção programática da militância.