Depois das delações, o tempo

Pode-se dizer que delação não é prova ou que faz parte do mesmo “golpe” que afastou Dilma da Presidência. Pode-se dizer que os Odebrecht deitaram e rolaram como verdadeiros donos do Brasil e agora estão querendo livrar a cara, descarregando tudo nas costas dos políticos.

Pode-se dizer o que for, mas não há como fazer de conta que nada ocorre de extraordinário, que as delações derivam de pressões indevidas ou que o Brasil se converteu numa “Nação de delatores”.

Com a divulgação das delações dos executivos da Odebrecht, o espanto se combinou com o mal-estar, tamanho foi o buraco que se abriu. Dinheiro sendo distribuído a rodo, a partir de extorsões feitas por pessoas empoleiradas no topo do poder e impulsionadas pela volúpia de empresas que escolheram correr o risco de dilapidar seu patrimônio ético e material.

Desafios da reconstrução democrática da política

Três perigos rondam a reconstrução da República democrática no Brasil.

Um é o “acordão” que tanta gente saúda e alguns tentam viabilizar: um freio de arrumação, pelas costas da população, de modo a parar o carro da Lava Jato e a permitir que os grandes partidos (PT, PDMD e PSDB) consigam respirar. Seria como dizer que tudo não passou de um pesadelo, que a rotina continua na manhã seguinte, malemolente como sempre. De quebra, para não dar o braço a torcer, adotam-se algumas medidas cosméticas (cláusula de barreira e fim das coligações proporcionais, por exemplo), mas suspendem-se os constrangimentos sobre os políticos. Tudo, a rigor, fica mais ou menos como está. Passa-se um pano na trambicagem generalizada, perfuma-se o ambiente e toca-se em frente.Vida que segue.

Quando a política sangra a céu aberto

O fundamental e os nomes já eram conhecidos, circulavam há tempo. Mesmo assim a “lista de Fachin” causou enorme rebuliço e praticamente paralisou o País. Provou não só que os nervos estão à flor da pele, como que o universo político — todo ele, de cima a baixo, da esquerda à direita — ingressou em deterioração acelerada. “Septicemia republicana”, escreveu Vera Magalhães em sua coluna no Estadão de hoje. Imagem forte, mas fiel aos fatos.

O “estrago” passou agora a ser oficial. Inquéritos foram abertos contra oito ministros de Temer, 24 senadores, 40 deputados, três governadores. São 20 nomes do PT, 17 de PMDB, 13 do PSDB. Oposição e situação igualmente contempladas. Um alvoroço compreensível.

Maior risco da reforma política é não ser acompanhada pela sociedade

A questão da reforma perambula na vida política brasileira há décadas. Não pode ser engavetada nem “resolvida” de uma penada. É estratégica, porque o modelo vigente chegou ao esgotamento e precisa ser revisto. Não temos, porém, consensos a respeito e o debate público nem sequer se organizou.

Pode-se levantar a suspeita que for, polemizar dizendo que a iniciativa ajuda a proteger deputados ameaçados pelas colaborações premiadas e tem como objetivo oculto facilitar uma fuga do Legislativo das garras da Justiça, mas não se pode negar que a proposta de reforma política apresentada pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP) é corajosa e põe o dedo em muitas chagas do sistema político brasileiro.

A guerra suja das “narrativas”

Boa parte dos conflitos sociais e das lutas de classes assume hoje a forma de “guerras discursivas” e disputas de narrativas. Dizer isso é reiterar uma espécie de cláusula pétrea dos estudos sociais, nos quais a linguagem ganhou posto de honra. A “pós-modernidade” impulsionou a tendência, ao decretar o fim das grandes narrativas e da verdade.

Para alimentar o debate democrático

O suposto básico é que não se deve perder de vista a realidade, os fatos duros da vida, os processos objetivos, mas se deve sempre buscar interagir com eles de modo crítico, ou seja, aceitando-os como fatores e procurando modulá-los como base em alguma utopia razoável. Sem isso, o debate democrático escorrega e não se completa.

As duas almas do governo Temer

De mau-passo em mau-passo, o governo Temer parece ter optado por jogar ao mar talvez o mais importante recurso de que dispõe para chegar ao porto seguro de 2018. Ao longo de alguns poucos dias, fez opções arriscadas demais e, também por isso, equivocadas.

A cidade inimiga

São Paulo é uma das maiores metrópoles do mundo, mas não conseguiu se tornar mais amigável para seus moradores. É uma terra de encontros e desencontros, sonhos e fantasias, onde o plural se impõe, as culturas se interpenetram e as experiências se multiplicam. Lócus de chegadas e partidas, de vidas que se cruzam e se prolongam no tempo, gerações após gerações, misturadas com existências fugazes, impermanências e deslocamentos incessantes. São Paulo é amada e odiada, vivida como objeto de desejo e temor, um circuito de anonimatos repleto de sucessos surpreendentes e celebridades instantâneas, que vão e vêm.